Antes de começar a falar da praia de Santa Bárbara, é importante falar um pouco sobre a santa que lhe deu nome, isto porque, como mais tarde iremos constatar, existem analogias muito interessantes entre esta praia e a dita Santa.
É do conhecimento geral que Santa Bárbara é uma santa cristã, santa essa, que foi mártir no século terceiro e é considerada a protectora contra tempestades, raios e trovões, sendo o seu dia comemorado a 4 de Dezembro de cada ano.
Bárbara antes de ser santa, foi torturada por carrascos, que lhe cortaram os seios, figura 1, sendo posteriormente degolada por seu pai, que dava pelo nome de Dióscoro. Reza a história que no instante em que Bárbara foi degolada por seu pai, a sua cabeça rolou pelo chão e seguidamente um imenso trovão ribombou pelos ares, fazendo tremer os céus, esse trovão foi prosseguido de um relâmpago que atravessando as nuvens fez cair por terra o corpo sem vida de seu pai. Depois desse acontecimento e por causa dele, Santa Bárbara passou a ser conhecida como protectora contra os relâmpagos e tempestades e é considerada a Padroeira dos artilheiros, dos mineiros e de todos quanto trabalham com fogo.
No longínquo ano de 1563, ocorreu a Erupção vulcânica do Pico do Sapateiro na ilha de São Miguel, freguesia da Ribeira Seca. Esta erupção, do tipo estromboliana, emitiu grande volume de lavas, de composição basáltica, muito fluidas, que soterraram parte da Ribeira Seca, incluindo um chafariz que hoje está à vista, incrustado na formação rochosa. Esta erupção vulcânica separou ainda mais as actuais praias do Monte Verde e de Santa Bárbara, como se pode ver na excelente ilustração da figura 2, que é uma pintura de Emanuel Carreiro, com reconstituição científica de Vítor Hugo Forjaz (A foto desta pintura foi retirada da revista Açorianissima, à mais ou menos 11 anos, infelizmente não sei precisar qual o número da revista e o ano, porque na altura guardei, lamentavelmente, apenas este recorte da revista.).
Figura 2 - Erupção de 1563 do Pico do sapateiro, pintura de Emanuel Carreiro, com reconstituição científica de Vítor Hugo Forjaz. A zona de lava separa precisamente a praia do Monte Verde da praia de Santa Bárbara.
A erupção vulcânica de 1563, através das lavas que brotaram das entranhas do vulcão, deram corpo, forma e alma às praias de Santa Bárbara e Monte Verde. Depois desse acontecimento histórico e durante séculos, essas praias viveram tranquilamente, sendo apenas, perturbadas ocasionalmente pelas sazonais forças da natureza.
Quatro séculos mais tarde, a praia de Santa Bárbara, viria a ser testemunha viva, da II grande guerra mundial, como se pode verificar, in loco, através das Casamatas (Foto 3), usadas para defesa da costa e que foram construídas na rocha basáltica deixada pelo vulcão do Pico do Sapateiro. Uns anos mais tarde, e desculpem-me pela imprecisão histórica (não consegui saber em tempo útil, esta data), deu-se início, ao saque de um dos elementos mais bonitos de uma praia, a areia. Durante décadas a praia de Santa Bárbara foi torturada, pela mão humana, tal como aconteceu com a santa que lhe deu nome. As areias foram saqueadas e esventradas, qual grupo de hienas africanas que devora a sua presa, comendo-a até ao tutano. Santa Bárbara, desde ai, ficou ferida de morte, pois dela, foram retirados milhões de toneladas de areia (Fotos 4,5 e 6), por pessoas ligadas ao lobby do cimento e do betão. O mais irónico desta situação é que, tudo isso aconteceu debaixo das “barbas” das autoridades competentes, que pouco ou nada fizeram.
A partir de 1992, é proibida a extracção de areia e lentamente a praia, passa a ser utilizada como espaço de lazer. O que aconteceu em pleno, depois da requalificação da praia em 2008, com as obras efectuadas, pelo município da Ribeira Grande.
Actualmente, esta praia mártir, já tem uma cara lavada, como se pode comprovar pela foto 7, mas ainda, apresenta as grandes cicatrizes deixadas pelos actos de outrora, bem como, algumas situações que ainda não foram totalmente resolvidas (ver foto 8).
Dentro de uns dias, de 25 a 30 de Agosto do presente ano, Santa Bárbara irá vestir-se de gala, para receber o primeiro campeonato mundial de surf dos Açores, que com certeza, a projectará mundialmente, através da máquina mediática que acompanha sempre eventos deste tipo.
Resta saber agora, se a Santa Bárbara vai ser a madrasta ou a madrinha desse evento. Esperamos que seja madrinha e que todas as condições estejam reunidas, para que seja proporcionado um grande espectáculo a todos os intervenientes. De qualquer das formas e para os mais supersticiosos fica aqui a oração a Santa Bárbara:
Santa Bárbara, que sois mais forte que as torres das fortalezas e a violência dos furacões, fazei que os raios não me atinjam, os trovões não me assustem e o troar dos canhões não me abalem a coragem e a bravura. Ficai sempre ao meu lado para que possa enfrentar de fronte erguida e rosto sereno todas as tempestades e batalhas de minha vida, para que, vencedor de todas as lutas, com a consciência do dever cumprido, possa agradecer a vós, minha protectora, e render graças a Deus, criador do céu, da terra e da natureza: este Deus que tem poder de dominar o furor das tempestades e abrandar a crueldade das guerras.
Por Cristo, nosso Senhor. Amen.
Foto 3 - Pormenor da entrada da Casamata, onde estariam peças de artilharia, para defesa da costa, na II guerra mundial
Foto 4 - Uma das formas utilizadas para extracção da areia da Praia de Santa Bárbara.
Foto 5 - Quem tem conhecimento de causa refere que eram retirados 18 camiões de areia por dia da praia de Santa Bárbara, as marcas desse saque ainda são visíveis
Foto 6 - pormenor da rampa de acesso dos camiões à praia, foto tirada por mim em 1992.
Foto 7 - Praia de Santa Bárbara de "cara lavada" depois das obras de 2008
Foto 8 - Pedreira Ilegal que vai delapidando o basalto deixado pela erupção de 1563 do Pico do Sapateiro
Bibliografia
http://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%A1rbara_de_Nicom%C3%A9dia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia_de_desastres_naturais_nos_A%C3%A7ores
Essa praia foi bem menosprezada, pela ribeira grande, durante anos!
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