A primeira vez que tentei surfar foi aos 14 anos, em 1981 no Verão, mas depois como não havia fatos o pessoal parou no inverno, retomamos na primavera do ano seguinte e nunca mais paramos, agora com uns fatos improvisados ou melhor umas camisolas de pura lã, o pessoal saia roxo da água do frio!!!
O primeiro a surfar cá foi o João Garoupa, pai do Diogo Medeiros, depois o Gui Costa e o Luís Ferreira, eu como não conseguia arranjar prancha tive que esperar mais um pouco para começar a sério. Mas antes de todos ainda foi o pai do Garoupa (avô do Diogo) que tinha uma longboard feita em criptoméria.
Era o pessoal do Clube Naval que já andava no mar, fazia vela e estávamos a começar a fazer windsurf. Por influência nossa (mais do Garoupa) o pessoal do clube começou também a fazer umas “carreiras” de canoa nas ondas das traineiras que entravam na doca, na praia e numa ondinha que rebentava num baixio em frente à antiga piscina de S. Pedro.
Depois apareceu o Rigoberto Oliveira que tinha uma semente single fin, que já se mandava em ondas grandes e que ia mais para a Ribeira Grande, enquanto nós ficávamos pela praia das Melícias.
Ao princípio era só na Praia das Melícias, era lá (ainda é) que o pessoal todo aprendia a andar, depois passam-mos a ir para a praia do Monte Verde que tinha na altura muito mais areia (dava para ir sempre a tomar pé até às piscinas), mas com os construtores a tirar areia dos Ariais foi desaparecendo. Lá nunca se surfava, não se podia entrar, a praia estava fechada para não roubarem areia, e depois estavam sempre as máquinas lá a trabalhar (foi um autentico atentado ambiental, uma vergonha).
Andavam-mos sempre à boleia e o Pópulo era mais perto, para ir para o Norte, encontrávamo-nos nas Melícias, subiam-mos a canada das Bolas ou das Necessidades a pé e pediam-mos boleia no fim da estrada antiga da Ribeira Grande.
Quando o pessoal começou a surfar melhor e por influência das revistas que contavam histórias de descoberta de ondas e de “secrets spots” em que só alguns surfavam, já com algum “crowd” na água (quase 10 pessoas na água ) o pessoal começou a procurar por toda a ilha. No Norte não conseguiam-mos passar a rebentação na praia quando estava grande, aí o pessoal começou a ariscar e procurar spots de fundo de pedra mais abrigados. Nesta altura já tínhamos transporte graças ao Victor Tavares da Espelhadora que facilitava a procura, o resto do pessoal nem tinha idade para ter carta. Ele andava com uma carrinha de caixa aberta cheia de gente e pranchas atrás e sempre depressa, até apanhar as primeiras multas!!!
De forma resumida e mais ou menos por ordem passo a contar.
Primeiro foi como seria de esperar os Areais, a exploração de areia estava mais calma, primeiro só do lado direito da praia.
O primeiro “secret spot” foi o pico da “ganza” surfado num dia de Verão que parecia não haver ondas (estava muito pequeno e a maré cheia fazia com que as ondas não rebentassem). O Pedro Medeiros e o Luís “Português” voltaram ao Norte ao fim da tarde e foram dar “um passeio” ao fim da praia e foi aí que descobriram e surfaram a onda pela primeira vez. Uma semana depois já todo pessoal sabia da existência da onda.
A partir daí surfava-se quase sempre do lado esquerdo dos Areais, já não havia areia para tirar e os camiões estavam do outro lado da praia. O pessoal parava a meio da recta para R. Peixe, e atravessava um terreno quando não tinha vacas ou melhor, cães de fila. O dono odiava que o pessoal passasse pelo pasto pôs uma cancela com cadeado e quando os carros estavam lá, furavam-nos os pneus (no mínimo dois… ).
Depois tentamos outras praias, Porto Formoso e Santa Bárbara e as Praias do Sul em Vila Franca. Quem andava mais por estes lados era o Gui Costa e o Ferreira que também surfaram pela primeira vez no Baixio da Vila (Franca do Campo). A Ribeira Quente, mas foi só depois.
Em Rabo de Peixe, os primeiros a entrar lá foram o Armindo e um gajo do continente, penso que foi o Paulinho Santos (que andava cá na universidade e surfava muito bem). Não entrei neste dia, isto foi num sábado mas no domingo já estavam-mos todos lá dentro de água (ainda no pico ao centro que dava desde meio metro até fechar a baía. A partir daí quase sempre surfava-se em Rabo de Peixe durante todo o inverno, passavam-mos antes por lá e se estava a dar nem iam-mos à Ribeira Grande.
A primeira vez que entramos nos Mosteiros, no porto, estava lá mas não entrei, foi um daqueles dias de vento norte que não há ondas no Sul e a costa Norte está muito on shore. Depois o pessoal começou a surfar também ao lado, na praia.
Baixio da Maia, nunca surfei lá mas o Pedro Medeiros e o irmão (o Manuel) devem ter sidos os primeiros a lá surfarem.
Santa Iria, fomos a primeira vez pensando na onda da esquerda que quebrava junto das pedras, quando chegamos lá em baixo a onda era muito mais pequena do que se pensava, mas em compensação descobrimos todo o potencial daquele sítio, com um baixio ao centro da baía que dava outra onda perfeita. Também percebemos que ali o mar estava sempre um pouco mais pequeno que nas praias do norte e que ficava “glass” e abrigado nos dias em que o vento entrava mais de oeste.
Calhetas, surfei lá também antes de toda a gente com o Luís Ferreira e o Bruno Brum, num pico pequeno à direita, resultado de uma derrocada recente do inverno, isto foi já no princípio do Verão.
Depois houve ainda outros sítios como Santa Cruz na Lagoa, que tem uma onda pequena mas perfeita para quando a praia das Melícias está sem fundo, Praia da Amora (Ponta Garça), Porto da Lagoa e outras que nem me lembro, mas que se entrava só pelo gozo de surfar em sítios diferentes, em sítios tão estranhos como atrás da doca de em Ponta Delgada.
Uma vez fui ao Faial na Semana do Mar e levamos as pranchas, não havia ainda ninguém lá a fazer surfe mas disseram-nos que o melhor sítio deveria ser a Praia do Norte, fomos até lá, não entrei mas pouco depois de entrar o Gui Costa saí ao ver uma barbatana a nadar ao seu lado.
Enfim, estava lá em todas as novas descobertas mas por norma cortava-se e só depois de ver o que o pessoal fazia, se valia a pena e se era seguro é que entrava, outras vezes não. Nada era conhecido na altura e havia muito por onde ir surfar pela primeira vez, à medida que o pessoal surfava melhor ia arriscando mais…
Provavelmente só houve uma onda que não estava lá quando foi surfada pela primeira vez, a da Fajã do Araújo, mas também já foi muito depois e não tinham-mos surf na altura para esta onda!!!
Antes, onde mais surfava era Rabo de Peixe a que chamavam-mos a nossa piscina de ondas, mas a minha onda preferida continua a ser a esquerda das Melícias nas “marés de Agosto”, de preferência ao nascer do dia sem vento e com pouca gente na água. Venham as ondas e este ano já lá estarei de novo!!!
Mas a melhor onda que vi por cá é uma esquerda que rebenta do lado esquerdo do Monte Verde, bem lá fora, já em frente às pedras e corre até meio da praia sempre tubular o fundo tem que estar bom e o mar grande. Um dia o pessoal resolveu arriscar, o Marco Sousa conseguiu passar a rebentação e o resultado foi uma “gun”, que ele tinha guardada só para ondas grandes, super dura, partida ao meio logo na primeira queda. Fomos de seguida surfar Rabo de Peixe, como de costume.
Sim, fiz a primeira prancha em foam e fibra por cá, na altura com o Luís Ferreira. Fizemos duas pranchas uma trifin roundtail e uma quadrifin que na altura estavam a aparecer graças ao brasileiro Ricardo Bocão. Eram pranchas bastante aceitáveis e muito leves (a do Ferreira pesava pouco mais de 2 Kg) mas o material era muito mau e ficaram logo deformadas com o sol.
Depois destas duas fiz mais de 20 pranchas mas já sozinho, foi um pouco uma moda do clube naval, todos queriam pranchas de surf. De 6 em 6 meses trocava de prancha, vendia as velhas só para poder fazer pranchas novas, não dava muito dinheiro mas sempre servia para comprar uns fatos bons e não passar frio na água.
Tive um fato feito por medida pelo Nuno Joné, um Alleda 3mm, bom fato, velhos tempos. Na altura o pessoal tinha só um fato e uma só prancha, hoje tenho 4 fatos e 4 pranchas…
Isto foi em 1984, estava a aparecer o funboard e as revistas de windsurf tinham sempre artigos sobre como fazer pranchas de funboard, foi por aí… O problema era que algumas revistas eram alemães mas trazia umas imagens que sempre dava para ver a sequência do método!... Mas já trabalhava com fibra de vidro, arranjava as minhas pranchas, tinha aprendido ao ver o pessoal do clube naval que remendava os barcos à vela (como o Alberto Pacheco da RTP Açores).
No total devo ter passados as 25, durante uns 3 anos, até ir estudar para Lisboa.
Ando a recomeçar mais na brincadeira e por gosto, aliás estou a fazer uma agora em epóxi, porque sempre que faço uns remendos (com resina poliéster) na arrecadação do prédio os vizinhos queixam-se todos, vamos a ver se chega a ir ao mar!!!????
Evoluíram muito nos anos em que comecei, anos 80 e 90 com as trifins e depois a quadrifn e sobretudo com a deslocação da distribuição da largura máxima para a parte da popa. Nos anos 2000 isto já não aconteceu, aliás nota-se algum retorno a preceitos antigos, menos curva, mais largura e mais volume. A única grande diferença está nas bordas mais quadradas na popa e as quilhas de encaixe que, enfim, não são uma grande novidade pois sempre houve caixas de quilhas para as singlefin, e até os côncavos já se usavam mas de outra forma, mais em canais. Hoje o que noto é uma tendência a simplificar e harmonizar as formas mas os fundamentos básicos são os mesmos e não vão mudar. Não é por acaso que o pessoal adora surfar com as “retro” de duas quilhas... Aliás, costumava a surfar com uma singlefin emprestada que foi sem dúvida a melhor prancha com que surfei até hoje, foi com ela que pela primeira vez “descolei”, sem querer, num dia de 1/2m na Ribeira Grande, claro que aterragem foi em queda… mas na altura o grande objetivo era mais fazer 360ºs, que nunca consegui terminar!!!
Continuo a achar que o surfe deve ser feito na onda, isto de saltar e dar três piruetas e duas cambalhotas e depois aterrar parece-me mais um truque de circo, acrobacia não surfe. Espero que esta tendência passe senão vamos acabar comos nos concursos de skate que havia para ver quem voa mais alto ou em algo parecido com os torneios de saltos de mota e os de esqui na neva, em que ganha o que fizer mais palhaçadas no ar!!! Não tenho nada contra os aéreos são sem dúvida uma manobra bonita de se ver e que deve se pontuada pelo arranque (ataque à onda) e pela “aterragem”, mas o que se faz no ar decisivamente não é surfe são acrobacias circenses!!! Daí achar que o “Saca” anda a ser injustamente prejudicado pelo surfe que faz. E depois ainda não há nada melhor no surfe do que um bom tubo!!
As coisas estão muito diferentes, surfasse muito melhor e acima de tudo muito maior agora, quando comecei nem sabia que se tinha que cortar as ondas, achavam-mos que as onda cá não prestavam porque não se aguentavam limpas e que ficavam logo em “espuma”!!!... Foi o pessoal da terceira e do continente que trouxe as novidades e as manobras, aprendemos muito com eles pois filmes era coisa muito rara. Os 5 segundo do anúncio do aftershave da Oldspice (em que aparecia o drop e o início do tubo) era uma loucura e parecia durar uma eternidade!!!
Muitas histórias tinha para contar, tubarões a passar a 5m na água, surfadas à noite em noites de lua cheia, surfadas no verão na praia das Melícias com ondas grandes e toda a gente sentada na borda de água a ver, houve um ano que dei ondas quase todas as luas cheias e novas do mês de Julho e Agosto, não me lembro de outro ano igual até hoje.
Uma vez, numa tempestade sul, como não havia ondulação no Norte entram-mos no porto da Calheta, antes do aterro e da marginal, o trânsito parou, o muro estava cheio de gente a ver, durante uns dias só nos chamavam de malucos! Vocês querem é morrer, desgraçados!!!
Nas primeiras vezes que entramos em Rabo de Peixe também foi um acontecimento local. O pessoal de lá gostava muito dos surfistas, tínhamos conta para fiado na tasca da esquina em frente à Igreja e até construíram lá uma escada de acesso ao calhau em cimento, só não se podia despir em frente à Igreja na altura da saída e entrada da missa por causa das senhoras…
Mas a história mais atípica que me aconteceu foi uma viagem, no fim de Agosto princípio de Setembro, a Santa Maria para surfar, fomos num dos barcos dos Pareces (9 horas de viagem) com um carregamento de batatas, ainda hoje enjoo só com o cheiro a batatas podres. Apanhei o maior sismo que já senti na minha vida (na ilha mais “calma” sismologicamente dos Açores), vi a primeira tourada à corda (na praia formosa - sem ser na Terceira ou S. Jorge), parti a única prancha que levei a meio e remendei-a na praia, no dia seguinte já estava a surfar nela de novo ainda com a resina pegajosa (o truque é por wax por cima!). Quando viemos embora queriam-nos obrigar a pagar pelo espaço ocupado com a tenda num pasto e para finalizar, sem um único escudo no bolso ficamos fechados em Santa Maria, o maior aeroporto dos Açores fechado no verão por mau tempo!!! Felizmente apareceu um colega que estudava cá no Liceu que nos convidou a ficar na casa dele e nos deu de comer… Mas o mais significativo é que nunca tivemos ondas com mais de um palmo.
Muito bom Grande Xico ! E o melhor de tudo é que ainda não estás no museu :-)
ResponderEliminarBoas ondas !
Excelente!!!
ResponderEliminarE pensamos nós que andamos a descobrir ondas !! ;-) Muito bom!
ResponderEliminarE pensávmos nós que andavamos a descobrir novos picos ;-).
ResponderEliminarMuito bom!
Queridos são micaelenses, é com muita saudade que recordo o ano de `85 passado na vossa bonita ilha e com sentimento de agradecimento que recordo a forma dedicada como os surfistas locais me receberam e abriram os horizontes do seu pequeno grande paraíso. Ressalvo o Vítor e o Armindo(sim!Também o Sabino e Elsa), só falhando os outros por a memória não ser a melhor. O Vítor estava sempre pronto para uma surfada e nunca esquecia o resto da "pandilha" que efectivamente transportava na sua carrinha caixa aberta. Foi sem dúvida um motor impulsionador do surf naqueles tempos. Meu grande amigo Armindo já naqueles tempos de enorme arcaboiço no conhecimento náutico, marinho e geográfico. Assim como eram notórias a sua pujança física e técnica surfista.Sabino e Elsa recordo como dinamizadores "soul" do núcleo do surf que então existia. Confesso que tenho naquele ano alguns dos melhores momentos passados na minha vida. O "surf" era ali muito recente e virgem mas cheio de uma boa energia que nos dias de hoje não é tão fácil de encontrar.
ResponderEliminarTive a sorte de dar um salto a S.Miguel,em Março passado, e vinte e cinco anos volvidos é com tristeza que constatei o "boom" do desenvolvimento(???). Mas tenho que remarcar que o "cheirinho" da natureza, da beleza e do puro prazer surfista ainda aí estão.
Quero ainda aproveitar para agradecer ao Armindo e sua linda família a forma calorosa e disponível como me receberam.
Obrigado a todos e bom surf, abraço. Miguel Aragão